Nomes iguais, realidades diversas

Capa do livro O Brasil não é para Amadores

O exemplo adiante, retirado do livro do Belmiro Valverde [1], é um ótimo exemplo da importância de conhecer o contexto na análise de resultados de indicadores. Visões simplistas, por ignorância das diferentes realidades, leva a conclusões simplórias e conduz a más decisões e aos argumentos falaciosos (e vexatórios!). Vale a leitura.

“Quem pretende entender realmente o país tem de estar atento para o fato de que mesmo quando sob o ponto de vista da estatística se estejam medindo coisas semelhantes, o significado social e econômico dos fenômenos estudados pode ser radicalmente diverso.

Para que esse ponto possa ser mais facilmente entendido tomemos, por exemplo, as taxas de desemprego. Com pequenas variações e adaptações metodológicas, o cálculo das taxas de desemprego no Brasil e nos Estados Unidos é, substancialmente, igual, e expressa o número de pessoas que em um determinado momento não está trabalhando. Mas até que ponto a comparação entre as taxas de desemprego dos dois lugares é um bom instrumento para analisar esse aspecto da realidade econômica e social? E até que ponto, quando os números demonstram que a taxa de desemprego no Brasil e nos Estados Unidos subiu 1%, está se falando do mesmo fenômeno? Na realidade, as taxas de desemprego no Brasil e nos Estados Unidos, embora calculadas por fórmulas semelhantes, medem fenômenos sociais diferentes.

Nos Estados Unidos, há diversas formas de interromper um contrato de trabalho, cada uma delas ensejando consequências diferentes para o empregado. Um trabalhador americano pode ser temporariamente dispensado (temporary lay-off) por força de redução de demanda e flutuações da produção e do consumo; colocado em licença involuntariamente por razão não-disciplinar e normalmente ligada à redução temporária da produção (furlough) ou dispensando definitivamente (permanent lay-off ou cutback). O trabalhador terá perdido o emprego definitivamente somente nos casos em que foi atingido pelo permanent lay-off (ou cutback ou ainda a redundancy, como se diz na Inglaterra). Boa parte do índice de desemprego reflete os temporary lay-offs, ou seja, o desemprego temporário para a acomodação de estoques e de volumes de produção, que tem consequências muito pouco traumáticas para os empregados. Neste caso, seus direitos de antiguidade na empresa são respeitados e sua renda pode cair um pouco durante um determinado período, mas os colchões de proteção social dos fundos de desemprego, mantidos pelos sindicatos e pelo Estado e outros mecanismos, ajudam a superar essa situação até a retomada da produção e, com ela, a volta de seu emprego e de seu salário. No Brasil, o desemprego é sempre definitivo, o permanent lay-off, o cutback.

Se alguém é demitido, encerra seus vínculos com a empresa, recebe seus direitos, zera o tempo de serviço e tudo o mais. Já que virtualmente não existe colchão de proteção social algum (a não ser um modesto seguro-desemprego), quando acabar o dinheiro que recebeu, ou já arranjou um novo emprego ou passará fome. O seu retorno ao antigo emprego é problemático, pois a legislação dificulta de tal forma a recontratação do mesmo funcionário (mandando somar o tempo de serviço anterior, por exemplo, o que onera o empregador), que é mais prático e barato para a empresa não o readmitir quando a retomada da produção exige mais mão-de-obra. Portanto, para um cientista social consciente, o mesmíssimo 1% do Brasil e dos Estados Unidos tem significados radicalmente diversos, pois refletem fenômenos econômicos e sociais que, em substância, são radicalmente diferentes.”

Reproduzido de: CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. O Brasil não é para amadores: estado, governo e burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: IBQP-PR, 2000. p. 19-21.

Post de jan/10, revisado em ago/22.

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